A explicação, Denise contou a ele há quatro anos, quando o rapaz, de 38 anos, a procurou. Identificou a mãe pelo sobrenome incomum, que ela fez questão de manter como solteira, já pensando em deixar um rastro para o reencontro. Agora, num ato de coragem, a paulistana torna pública a decisão de entregar seu bebê aos cuidados de uma outra família. Ela acaba de lançar um livro de título que resume esse momento da sua vida. Reencontro fala das razões que a levaram a abrir mão da maternidade e como foi se apresentar como a mãe de um homem casado, já com filho e independente. “Eu ainda o via como um menino. Quis colocar minhas mãos sobre as dele e as dele já eram tão grandes… eram tão maiores. Eu imaginava que encontraria um garoto e não me conformava com aquela diferença entre idades”, descreve a autora em seu relato.
Falar de experiência tão dolorosa é reabrir feridas que nunca se fecham. Denise teve oportunidade de conhecer seu filho depois de mais de três décadas. Hoje, são “amigos”, como ela define. Agradece a chance de ter podido ser avó do filho dele. Mas a dor da lacuna em suas vidas permanece — o remorso pelo tempo que nunca voltará, do passado do qual não fez parte. “Qual foi sua primeira palavra? Como era o som da sua voz? Esse som eu nunca, nem em sonhos, ouvirei. Acabou. O tempo passou e não admite volta”, escreve Denise a seu primogênito.
Assim como ela, outras mulheres passam pela cruel decisão de entregar os filhos à adoção. Um gesto do qual não saem ilesas. Tornam-se rés perante sociedade — são as “desalmadas”, acusadas de abandono da própria prole. Muitas viram as juízas da própria história e, como pena, carregam uma culpa sem fim. Mas, na verdade, a maioria delas é apenas vítima de um contexto, carentes de suporte emocional, estrutura familiar, dinheiro e amor.
O abandono parte do companheiro; da família; da sociedade; do Estado, muitas vezes omisso no papel de oferecer condições mínimas para a maternidade. “A entrega é um processo com variáveis psíquicas e sociais muito complexas. Não há dados que digam qual a maior causa, mas as questões socioeconômicas são algumas das razões que prevalecem”, acrescenta Maria Luiza.
Algumas delas não conseguem amar seus bebês porque nunca foram cuidadas e se sentem incapazes de cuidar. Outras foram deixadas pelos companheiros e se viram sem condições de cuidar, sozinhas, de uma criança. Alguns filhos são frutos de traição, a prova mais concreta e indelével de uma relação fora do casamento, inaceitável para o companheiro. Certas mães não conseguem nem mesmo cuidar de si, seja por causa do desatino provocado pelas drogas, seja pelo desvario de uma mente doente. Há crianças que nascem como consequência da violência sexual e trarão, para sempre, com sua presença, lembranças que essa mãe quer esquecer.
Há até as que já são amparadas pela família, igualmente carente, e que também não podem assumir a responsabilidade por mais um rebento dessa mulher. Ou, simplesmente, há as conscientes de que aquele recém-nascido enfrentará tantas dificuldades, que a melhor sorte é dar a ele a chance de ter uma vida melhor, que ela própria não pode usufruir, muito menos oferecer. “O ato rompe com o mito das mulheres que trazem instintivamente o amor pela criança, pelo filho. O mito de que todas as mães devem amar seu filho de maneira incondicional e, por isso, são rejeitadas pela sociedade”, acrescenta a psicanalista Maria Luiza Ghirardi.
Mas quem disse que elas não amam as crianças das quais abriram mão de ver crescer? “É um gesto extremo de amor: ter a lucidez de que não se pode cuidar daquela criança e de que é preciso buscar o melhor para elas”, defende a juíza Vera Deboni, da Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, também coordenadora da Secretaria da Infância e Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
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